sábado, 12 de julho de 2008

A Operação Satiagraha e Gilmar Mendes: Judiciário Ditatorial?

Na sociedade em que se vive, a confiança da população brasileira no Poder Judiciário é, para dizer o mínimo, pequena. Como observador com formação jurídica, sou obrigado a pensar diferente da maioria das pessoas, acreditando que o Judiciário tupiniquim está bem instruído e que presta um serviço de boa qualidade aos cidadãos. Contudo, devido aos fatos acontecidos nesta última semana no que concerne à operação Satiagraha, da Polícia Federal, me vejo no dever de dizer algumas palavras sobre a chincana jurídica produzida pelo presidente da mais alta corte do país, ministro Gilmar Mendes. Desta vez, o povo tem bons motivos para desacreditar o Judiciário brasileiro. Vamos aos acontecimentos.
A operação em questão visa apurar irregularidades produzidas por grandes empresários, banqueiros e doleiros, envolvendo algo em torno de 30 pessoas. Dentre estes, destacam-se 3 sujeitos: Daniel Dantas, controlador do grupo Opportunity; Celso Pitta, ex-prefeito de São Paulo; e Naji Nahas, mega-investidor. A Justiça Federal paulista decretou a prisão temporária dos suspeitos, sob argumento de que estes poderiam prejudicar o andamento das investigações. Os mesmos foram buscados e recolhidos à prisão, recorrendo ao STF com um pedido de Habeas Corpus, sendo soltos em seguida. Inconformada, a Polícia Federal pediu, desta vez, a prisão preventiva, acatada novamente pelo juiz Fausto de Sanctis. O magistrado fundamentou sua decisão dizendo que os suspeitos, notadamente Dantas, poderiam fugir do país, levando em conta a sua maravilhosa condição financeira e que também poderiam prejudicar a coleta de provas, já que possuem grande influência político-financeira. A eventual eficácia da aplicação da lei penal passava, necessariamente, pela prisão preventiva dos futuros réus, como bem exige o artigo 312 do diploma Processual Penal brasileiro.
É justamente neste ponto em que começam as aberrações. Os advogados de Dantas impetraram novo Habeas Corpus no STF e novamente o ministro Gilmar Mendes despachou a soltura do banqueiro. Até aí, nada de extraordinário. É, entretanto, na fundamentação do magistrado em que acontecem os absurdos. Transcrevo dois trechos que considero cruciais: "Ressalte-se, em acréscimo, que o novo encarceramento do paciente revela nítida via oblíqua de desrespeitar a decisão deste Supremo Tribunal Federal."; "Portanto, não é a primeira vez que o Juiz Federal Titular da 6ª Vara Criminal da Subseção Judiciária de São Paulo, Dr. Fausto Martin de Sanctis, insurge-se contra decisão emanada desta Corte." Oras, fundamentalmente, foram violados princípios constitucionais e processuais penais na decisão do ministro. Primeiramente, não há hierarquia entre juízes no ordenamento jurídico brasileiro. Cada magistrado tem autonomia para decidir, dentro da legalidade vigente. Se o juiz Fausto de Sanctis decidiu de forma contrária à decisão anterior da corte, isso quer dizer apenas que o magistrado não concorda com o que foi decidido, e não que o magistrado desrespeitou a o STF. Dentro dessa lógica, também observa-se que o ministro omitiu o fato de que há um princípio no Direito Processual Penal brasileiro chamado persuasão racional. Assim, o magistrado deve se convencer de forma livre, juntamente com os eventuais argumentos e provas ministrados por acusação/defesa (neste caso, autoridade policial).
Portanto, a posição adotada pelo ministro Gilmar Mendes é plenamente questionável. A Associação Brasileira dos Juízes Federais manifestou apoio ao juiz De Sanctis, além de diversos juízes singularmente. Acredito que o ministro esqueceu o fato de que o país vive em um regime democrático, com instituições sólidas e hierarquicamente iguais. O Judiciário deve ser uma via para solução de conflitos e não um órgão ditatorial no qual o presidente da sua mais alta instância crê que suas decisões são imutáveis e impassíveis de questionamento.

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